quinta-feira, 9 de julho de 2020

LÍNGUA PORTUGUESA


Dando continuidade a nossa sequência didática sobre o gênero textual crônica, vamos conhecer esta crônica divertida de Luís Fernando Veríssimo?  Você vai gostar!

BRINCADEIRA
Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de tudo.

Depois de um silêncio, o outro disse:
- Como é que você soube?
- Não interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor. Não espalha.
- Vou pensar.
- Por amor de Deus.
- Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Mas é impossível. Como é que você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém mais sabe?
- Outras se tornavam agrecivas:
- Está bem, você sabe. E daí?
- Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você contar para alguém, eu...
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha, eu não conto.
- Certo
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Não sei. O que é que você sabe?
- Não se faça de inocente.
- Mas eu realmente não sei.
- Vem com essa.
- Você não sabe de nada.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
- Não existe nada.
- Olha que eu vou espalhar...
- Pode espalhar que é mentira.
- Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer coisa que você espaliar será mentira.
- Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema. 
- Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
- Você contou pra alguém?
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Por que eu? – quis saber.
- A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
- Por quê?
- Pela sua discrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia distante. Os vizinhos contam que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os visinhos contam que a voz que se ouvia era a dele, gritando:
- Era brincadeira! Era brincadeira!
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.
Luís Fernando Veríssimo. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L&PM, 1995, p.189-91)

Responda: 
1) O que você achou da crônica?

2).Na sua opinião o que acha que as pessoas temiam?

3). Por que trata-se de uma crônica, que elementos caracterizam a crônica que há nesta história para a classificarmos assim?

4).Graças ao “silêncio”, o protagonista ocupa cargos de confiança e “sobe na vida”. Até que um dia as coisas mudam.

5).No caso das vítimas, desconhecemos o segredo que elas guardavam. Contudo, no caso da protagonista, sabemos qual é o seu segredo. O que supostamente é o “tudo” mencionado pela “voz misteriosa”?

6).O que achou do desfecho (final) da crônica?

Um comentário:

Obrigado pelo comentário, responderemos o mais breve possível!