Maria Angula
Equador
Informante: Maria Gómez
Versão: Jorge Renán de la Torre
Maria Angula
“Maria Angula” é um conto da tradição oral equatoriana. Esta versão foi escrita
por Jorge Renán de la Torre, a partir de um relato que lhe fez Maria Gómez, uma
mulher de mais de setenta anos, que vive no povoado de Otán.
Jorge Renán de la Torre nasceu em Quito, em 1945, e já publicou contos, fábulas
e obras de teatro infantil.
Glossário (vocabulário)
Colorau: condimento de cor vermelha, no caso deste conto, feito especificamente da semente do urucum, como manda o costume equatoriano, mas que pode ser feito também à base de pimentão, e que serve, sobretudo, para dar cor aos alimentos.
Maria Angula era uma menina alegre e viva, filha de um fazendeiro de Cayambe. Era louca por uma fofoca e vivia fazendo intrigas com os amigos para jogá-los uns contra os outros. Por isso, tinha fama de leva-e-traz, linguaruda e era chamada de moleca fofoqueira.
Assim viveu Maria Angula até os dezesseis anos, dedicada a armar confusão entre os vizinhos, sem ter tempo para aprender a cuidar da casa e a preparar pratos saborosos.
Quando Maria Angula se casou, começaram os seus problemas. No primeiro dia, o marido pediu-lhe que fizesse uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor ideia de como prepará-la.
Queimando as mãos com uma mecha embebida em gordura, acendeu o carvão e levou ao fogo um caldeirão com água, sal e colorau, mas não conseguiu sair disso: não fazia ideia de como continuar.
Maria lembrou-se então de que na casa vizinha morava dona Mercedes, cozinheira de mão-cheia, e, sem pensar duas vezes, correu até lá.
– Minha cara vizinha, por acaso a senhora sabe fazer sopa de pão com miúdos?
– Claro, dona Maria. É assim: primeiro, coloca-se o pão de molho em uma xícara de leite, depois despeja-se este pão no caldo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.
– Só isso?
– Só, vizinha.
– Ah! - disse Maria Angula –, mas isso eu já sabia!
E voou para a sua cozinha a fim de não esquecer a receita.
No dia seguinte, como o marido lhe pediu que fizesse um ensopado de batatas com toicinho, a história se repetiu:
– Dona Mercedes, a senhora sabe como se faz o ensopado de batatas com toicinho?
E como da outra vez, tão logo a sua boa amiga lhe deu todas as explicações, Maria Angula exclamou:
– Ah! É só? Mas isso eu já sabia! - E correu imediatamente para casa a fim de prepará-lo.
Como isso acontecia todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando. Maria Angula vinha sempre com a mesma história: “Ah, é assim que se faz o arroz com carneiro? Mas isso eu já sabia! Ah, é assim que se prepara a dobradinha? Mas isso eu já sabia! ” Por isso, a mulher decidiu dar-lhe uma lição e, no dia seguinte...
– Dona Mercedinha!
– O que deseja, dona Maria?
– Nada, querida, só que o meu marido quer comer no jantar um caldo de tripas e bucho e eu...
– Ah, mas isso é fácil demais! - disse dona Mercedes. E antes que Maria Angula a interrompesse, continuou:
– Veja: vá ao cemitério levando um facão bem afiado. Depois, espere chegar o último defunto do dia e, sem que ninguém a veja, retire as tripas e o estômago dele. Ao chegar em casa, lave-os muito bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Depois que ferver uns dez minutos, acrescente alguns grãos de amendoim e está pronto. É o prato mais saboroso que existe.
– Ah! - disse como sempre Maria Angula. - É só? Mas isso eu já sabia!
E, num piscar de olhos, estava ela no cemitério, esperando pela chegada do defunto
mais fresquinho. Quando já não havia mais ninguém por perto, dirigiu-se em silêncio à tumba escolhida. Tirou a terra que cobria o caixão, levantou a tampa e... Ali estava o pavoroso semblante do defunto! Teve ímpetos de fugir, mas o próprio medo a deteve ali. Tremendo dos pés à cabeça, pegou o facão e cravou-o uma, duas, três vezes na barriga do finado e, com desespero, arrancou-lhe as tripas e o estômago. Então, voltou correndo para casa. Logo que conseguiu recuperar a calma, preparou a janta macabra que, sem saber, o marido comeu lambendo-se os beiços.
Nessa mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns gemidos nas redondezas.
Ela acordou sobressaltada. O vento zumbia misteriosamente nas janelas, sacudindo-as, e de fora vinham uns ruídos muito estranhos, de meter medo a qualquer um.
De súbito, Maria Angula começou a ouvir um rangido nas escadas. Eram os passos de alguém que subia em direção ao seu quarto, com um andar dificultoso e retumbante, e que se deteve diante da porta. Fez-se um minuto eterno de silêncio e logo depois Maria Angula viu o resplendor fosforescente de um fantasma. Um grito surdo e prolongado paralisou-a.
– Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
Maria Angula sentou-se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto medo, viu a porta se abrir, empurrada lentamente por essa figura luminosa e descarnada.
A mulher perdeu a fala. Ali, diante dela, estava o defunto, que avançava mostrando-lhe o seu semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
Aterrorizada, escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente sentiu umas mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na gritando:
- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
Quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa e, muito embora tenha procurado por ela em toda parte, jamais soube do seu paradeiro.
URIBE, Verônica (org.) Contos de assombração: coedição Latino-americana. São Paulo: Ática, 1999, p. 36-38.
Refletindo sobre o conto...
1) Em geral, os contos populares, sejam eles de assombração ou não, têm forte ligação com o local, a região e a cultura das pessoas que vivem ali. Em quais trechos, no conto de Maria Angula, podemos encontrar elementos da cultura equatoriana? Cite, ao menos, dois.
2) Que elemento de mistério está presente no conto “Maria Angula”?
3) Diferentemente dos quadrinhos, no conto (em prosa), o autor utiliza travessões e outros recursos da linguagem escrita, como os verbos de dizer (falou, respondeu, gritou etc.), para introduzir a fala das personagens. Faça uma busca no conto, com um marca texto ou lápis colorido, grife-os.
a).Quais foram utilizados mais de uma vez?
b).Escolha uma das falas para reescrever, modificando o verbo de dizer utilizado. Preste atenção para não repetir os que já existem no conto.
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